quinta-feira, 18 de julho de 2013

A estrutura agrária brasileira e as lutas sociais no campo

Por Gildazio de Oliveira Alves
   
         O Brasil é um país de dimensão continental que em pleno século XXI ainda enfrenta, quase que rotineiramente conflitos no campo. É uma verdadeira guerra civil que atravessa os séculos e envolve trabalhadores rurais, fazendeiros, grileiros, posseiros, ambientalistas, indígenas, quilombolas, dentre outros grupos que disputam a posse da terra. Para entender as razões da nossa injusta estrutura agrária é necessário analisar a colonização do nosso país, bem como a maneira como se deu a apropriação e a distribuição das terras, dentro de um modelo político e econômico desenhado pela Coroa, posto em prática pela vassalagem e preservado até os dias atuais. 
        As origens da questão agrária no Brasil remontam aos primórdios da colonização, quando do estabelecimento de um sistema produtivo agro-exportador, assentado no latifúndio escravista, onde a produção de alimentos era atividade pouco valorizada, restrita a pequenos produtores e por vezes proibida nas plantations. A seção de extensas áreas de terras, denominadas sesmarias a cidadãos que detinham prestígio junto ao reino, foi o marco inicial da longa trajetória de apropriação das terras no Brasil, que teria como conseqüência histórica a concentração desse bem em poucas mãos. 
         Com a extinção do regime de sesmarias no início do século XIX, a ocupação das terras passou a ser regulada através da Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras), um novo ordenamento jurídico, que dentre outras questões estabelecia a compra como única maneira de aquisição das terras devolutas. Os efeitos práticos da implementação dessa Lei foi sem dúvida a manutenção da estrutura agrária brasileira, a partir da revalidação das sesmarias e de outras concessões do Governo Geral ou Provincial, que nesse momento priorizou a vinda e o assentamento de colonos estrangeiros no Brasil, em detrimento de uma política de acesso e permanência na terra pelos nativos. 
       No início do século XX, especialmente a partir da década de 30 com o processo de industrialização do país, o problema da concentração de terras se agravou ainda mais, em virtude das inovações tecnológicas que chegavam ao campo. Nesse processo, as pequenas propriedades foram cada vez mais perdendo terreno para o latifúndio agro-industrial. Uma das conseqüências da industrialização foi o crescimento da demanda por produtos agrícolas, a mecanização da agricultura e o conseqüente aumento dos preços da terra, que uma vez valorizada passava a ser cada vez mais objeto de cobiça do latifúndio.
       No período da Ditadura Militar também se manteve a estrutura agrária do país e até mesmo acelerou-se o crescimento das grandes propriedades, especialmente daquelas ligadas ao capital internacional. De 1967 a 1972 que corresponde ao período do “milagre econômico”, nos governos Costa e Silva e Médici, as pequenas propriedades foram engolidas pelo latifúndio, visto que as políticas governamentais valorizavam apenas os grandes empreendimentos, como conseqüência agravaram-se os índices de pobreza e de concentração de riquezas no país. Ao mesmo tempo, a política de repressão do Estado massacrou a organização dos trabalhadores e paralisou a reforma agrária. 
       A concentração de terras, a exploração e a opressão no campo foram, ao longo da história contestadas de diversas maneiras por diferentes grupos sociais. As lutas sociais no campo sempre fizeram parte do cenário brasileiro desde os primeiros séculos da formação da nossa sociedade. Dessa maneira, a resistência indígena desde os primeiros séculos da colonização, a resistência negra, especialmente através dos quilombos, os movimentos nativistas dos séculos XVIII e XIX como Cabanagem, Balaiada e Farroupilha; as lutas pela Independência da Bahia, o messianismo e o banditismo social do século XIX e início do século XX dos movimentos de Canudos, Contestado, Juazeiro e o Cangaço, apesar das suas especificidades em maior ou menor grau se constituíram lutas populares diante das más condições de vida, por uma nova ordem social. 
        O período pré-64 foi marcado por forte pressão pela reforma agrária, especialmente de 1940 a 1960 quando os trabalhadores se afirmam enquanto atores políticos, se organizam em torno de entidades como as Ligas Camponesas e as associações de lavradores. Nesse período, os trabalhadores foram disputados por agentes diversos como partidos políticos e igreja. A partir do golpe militar ocorreu o processo de desmobilização em virtude da neutralização das lideranças mais combativas e da intervenção em suas entidades. 
     As lutas no campo perpassam, os objetivos de conquista da terra, em virtude da complexidade das relações de trabalho na agricultura brasileira. O grande objetivo dos trabalhadores brasileiros quase sempre se encaminha para a conquista de direitos e melhores condições de vida. Nesse sentido, ao lutarem pela reforma agrária, os trabalhadores rurais reivindicam além da posse da terra, a redistribuição da renda, de poder e de direitos, uma vez que apenas a mera distribuição de pequenos lotes os faria perpetuar na vulnerável condição de mão-de-obra barata para os grandes proprietários.
       No Brasil de hoje os movimentos sociais de luta pela terra não desfrutam de apoio popular e a injusta estrutura agrária brasileira mantém-se intacta, o que suscita a necessidade da reflexão sobre a questão, vislumbrando a importância destes movimentos, assim como das políticas públicas para o campo que transcendam o assistencialismo secularmente praticado. Creio ser necessário compreender os conflitos, tensões e as discrepâncias sociais no campo como fruto dos modelos políticos e econômicos historicamente implantados, que concentraram terras e riquezas.

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