Por Gildazio de Oliveira Alves
Um breve
passeio pela História do Brasil nos permite constatar que as contradições do
campo sempre foram o centro dos grandes problemas nacionais. Inicialmente, foram mais de
três séculos de economia rural assentada no tripé: monocultura, mão de obra
escrava e produção agroexportadora, base que moldou a sociedade brasileira até
meados do século XIX.
Mesmo
com o fim da escravidão em 1888, a estrutura agrária brasileira permaneceu
intacta e os antigos escravizados e seus descendentes não receberam qualquer compensação
ou indenização pelos séculos de trabalho forçado. No campo pós abolição, esses
trabalhadores se tornaram sem-terras ou pequenos agricultores, sempre ameaçados
pelo latifúndio. Nas cidades, a populações egressas da escravidão, se tornaram
sem-tetos e/ou trabalhadores de atividades pouco remuneradas, preteridos por
emigrantes europeus no trabalho urbano.
O país
que teve nas sesmarias o marco inicial da distribuição de terras, através da
Lei de Terras de 1850 garantiu a sobrevivência do latifúndio e colocou à margem
do sistema produtivo a população egressa da escravidão rural. Em razão dessa estrutura
do campo brasileiro, fundamentalmente injusta e violenta, ao longo dos séculos,
uma
verdadeira guerra vem sendo travada pela posse da terra, com múltiplos
conflitos que envolvem trabalhadores rurais, fazendeiros, grileiros, posseiros,
ambientalistas, indígenas, quilombolas etc.
Embora
ciente de que a Reforma Agrária tal qual a conhecemos jamais representou a
possibilidade de ruptura da estrutura agrária brasileira, bem como dessa ordem
social injusta, cabe tecer algumas ponderações acerca da sua total paralisação no
atual governo. O tema reforma agrária saiu
da pauta, não só do governo, como também da mídia e dos próprios movimentos
sociais de luta pela terra, que me parecem apáticos, intimidados, frente a um
governo que tem priorizado a regularização de terras griladas e a proteção de
des-matadores.
O projeto de lei 2.633/2020, “PL da grilagem” em trâmite no Congresso
Nacional, facilita a regularização de terras, ilegal e ilegitimamente ocupadas,
premeia a grilagem e sinaliza ao país a opção do governo federal pela
manutenção do status quo, pelo o apoio incondicional aos senhores da terra e a
manutenção da injustiça no campo. Esse caminho torna evidente que o país
continua a distribuir suas terras a partir de um modelo desenhado pela Coroa
Portuguesa, posto em prática pela vassalagem e preservado até os dias atuais.
Cabe
não esquecer que os problemas da sociedade brasileira, hoje predominantemente
urbana, tem raízes em nossa injusta estrutura agrária. No presente, o campo que
bate recordes em produção de alimentos para exportação é o mesmo que esmaga o
pequeno agricultor, historicamente sem apoio governamental e pressionado pelo
latifúndio. Essa estrutura é mantida pelas políticas governamentais que
priorizam a agro exportação, com uso excessivo de agrotóxicos e graves
prejuízos ao meio ambiente e à saúde pública.
Em que pesem os arroubos autoritários do
governo Bolsonaro, é necessário que o tema Reforma Agrária volte à pauta do
país. Obviamente que a distribuição de pequenos lotes não corrige injustiças,
tampouco repara de dívida histórica oriunda do escravismo, cujos efeitos
nefastos perduram até os dias atuais. Contudo, é evidente que o tema abre a possibilidade de um debate permanente, com vistas à importância dos movimentos
sociais de luta pela terra, assim como das políticas públicas para o campo que transcendam o
assistencialismo secularmente praticado. Não há como transformar o Brasil num
país socialmente justo, sem quebrar a coluna vertebral da estrutura agrária
brasileira. Do contrário, estaremos condenados a ver perpetuar a desigualdade
social e a concentração de riquezas no campo e na cidade. Esse é um debate
necessário.