Por Gildazio de Oliveira Alves
Analisar o processo de
redemocratização do Brasil é um prazeroso exercício em que o resultado aparece
permeado de opinião pessoal, por tratar-se de acontecimentos da história
contemporânea que muitos de nós pudemos acompanhar, torcendo freneticamente
pela vitória da frente democrática encabeçada por Tancredo Neves.
Muitas vezes chegamos
a crer que o final do regime militar ocorrera tão somente pelo cansaço que já
demonstrava e pela vontade imperiosa da nação brasileira de finalmente trilhar
os rumos da democracia, pressupostos que certamente devem ser considerados, mas
que estão aquém do ideal. Em que pesem o desgaste do regime havia certamente
uma conjuntura internacional apontando para a redemocratização, especialmente
com os Estados Unidos reorientando sua política macro-econômica e se lançando
como suposto defensor dos direitos humanos. No tocante ao cenário interno,
destacam-se o colapso do modelo econômico que atingiu o bolso e a auto-estima
dos brasileiros, o crescimento das forças de oposição e o ressurgimento da
sociedade civil, que se organizava em sindicatos, pastorais sociais e
associações diversas. Nesse processo, os militares compreendiam o caráter
irreversível da abertura, mas desejavam controlá-la ao máximo, queriam que
fosse “lenta, gradual e segura”. Assim, num
primeiro momento é nos bastidores da política, nos gabinetes de Brasília e nos
corredores do Congresso Nacional que serão traçados os rumos do país.
O processo de
redemocratização do Brasil não representou qualquer tipo ruptura, foi a seu
modo, muito mais uma reacomodação de forças, um jogo de cena, marcado por
negociação, pressões, ameaças e corrupção, um embate que num primeiro momento
se dá com forças externas, especialmente com os Estados Unidos ainda da década
de 70, visto que o Brasil parecia não estar ciente de que o mundo caminhava
para uma nova ordem e que as ditaduras latino-americanas perdiam os apoio
internacional. A resistência militar à democracia rendeu à oposição interna
brasileira o apoio dos EUA. Simultaneamente o modelo econômico dos militares
dava sinais de crise. Nesse mesmo período o MDB (Movimento Democrático
Brasileiro), única oposição consentida crescia assustadoramente nas eleições
parlamentares. Essas mudanças
encontrarão seu ápice nos anos 80, quando os embates ocorrem apenas no sentido
de definir quem serão os personagens principais no enredo da democratização. Em
1984 todos os acontecimentos mostravam que o Brasil estava mudando, os impasses
se davam em torno do tom dessa mudança, acerca do seu caráter, se lenta,
gradual e segura como desejavam os militares ou se através de eleições diretas que
se realizarariam naquele mesmo ano.
Pode-se dizer que o
grande falha do documentário é a ausência, das vozes de outros personagens como
estudantes, professores, intelectuais, artistas e trabalhadores, pessoas que
lutaram contra o regime e que nesse momento estavam nas ruas gritando por
eleições diretas.
Aquele era certamente
um momento de muitas incertezas, sabendo-se apenas que o país indubitavelmente
caminharia para a democracia, mas com possibilidades de retrocesso e sem
nenhuma clareza quanto à maneira como se daria esse processo. O grande dilema
do momento para a oposição era escolher entre uma saída negociada com os
militares e a radicalização na luta pelas eleições diretas. Também os militares
tinham seus dilemas, de um lado temiam a suposta ameaça comunista, do outro não
tinham como ignorar a força da oposição e das multidões que tomavam as ruas.
Com a derrota da Emenda Dante de Oliveira e a conseqüente manutenção das
eleições indiretas, o grande problema do grupo governista passou a ser a
consolidação de um candidato forte o suficiente e capaz de unir o PDS (Partido
Democrático Social) e derrotar Tancredo Neves do PMDB (Partido do Movimento
Democrático Brasileiro) no Colégio Eleitoral. Nesse processo, a figura
dissonante do candidato Paulo Maluf, provocou uma revoada de lideranças
pedessistas rumo à candidatura de Tancredo. Nesse momento a balança pendia para
o lado da oposição e esta, tendo como principal interlocutor a figura de
Tancredo Neves entendeu que para evitar retrocessos o caminho mais viável seria
a composição com o PDS. Assim, a chapa Tancredo – Sarney fora eleita no Colégio
Eleitoral e o Brasil teve que aguardar 5 anos para ter finalmente sua primeira
eleição direta pós ditadura.
Esse desfecho se não
saiu como planejaram os militares também não ocorrera como sonhavam segmentos
da esquerda alojados no PMDB e no PT (Partido dos Trabalhadores), este último
optando, inclusive por não votar no Colégio Eleitoral ficando fora da festa da
oposição. A grosso modo pode-se dizer que a transição lenta, gradual e segura,
desejada pelos militares se concretizara, pois como sabemos Tancredo falecera antes
da posse e José Sarney, ex-presidente do PDS, político gestado na ditadura
assumiu o poder e governou até 1989, quando finalmente se realizaria a 1ª
eleição direta pós ditadura.
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