Religiosidade de matriz africana em sala de aula:
potencialidades e desafios
Por Gildazio de Oliveira Alves
O modelo de colonização portuguesa implantado
no Brasil, baseado na monocultura e no sistema escravista foi responsável pela
transferência para o território luso-brasileiro de grandes levas de escravos que
traziam consigo toda uma gama cultural e religiosa oriunda das suas origens em
solo africano. Aqui, esses aspectos culturais foram reproduzidos e
ressignificados através do contato com outros povos.
Após vários séculos de
discriminação, negação, tentativa de ocultar ou ignorar os elementos da cultura
afro-brasileira e africana em nossa sociedade, nos deparamos com o feliz
desafio de desenvolver uma educação para a diversidade. Sabemos que esta é uma
necessidade urgente em nossas escolas, uma vez que o reconhecimento das
reivindicações históricas das comunidades afro-brasileiras implica na
efetivação de direitos sociais, culturais, econômicos e religiosos. Com relação
ao último aspecto temos consciência de que trata-se do mais polêmico a ser
abordado na escola, visto que a religião apresenta-se como elemento doutrinário
ou inibidor de diferentes experiências no contexto escolar. O cerne da questão
pontua-se em apresentar a religião como aspecto cultural, não doutrinário, como
uma afirmação profunda dos valores ancestrais.
Sabemos que a escola
apresentou e em muitos aspectos ainda vincula uma educação eurocêntrica. No
entanto, a implantação da lei 11.645/08 apresenta-se como um aspecto
potencializador da discussão e do debate conduzindo à diversidade da prática
docente, cabendo aos educadores ligar essas experiências ao cotidiano escolar.
São enormes os desafios de se
trabalhar os aspectos religiosos de matriz africana num cenário em que a
historiografia ainda prima por negar-lhes um lugar na história e onde, os
professores, formados num modelo de história tradicional ainda se empenham em
reproduzir o eurocentrismo.
O Estatuto da Igualdade Racial e a Lei
11.645/08 são conquistas históricas, fruto da luta dos movimentos negros e de
outros segmentos sociais de combate ao racismo, que buscam garantir direitos
essenciais dos povos negros que foram negados, esquecidos ou distorcidos. Esses
marcos legais nos colocam o desafio de proporcionar a reparação de danos
psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais provocados pela
herança do escravismo, das políticas de branqueamento e da manutenção histórica
de privilégios de alguns grupos.
A democratização da educação no século
XX abriu a escola, mas falta o avanço na qualidade e a abertura dos currículos
para o conhecimento mais amplo da nossa história. Nos modelos educacionais a
história e a cultura afro-brasileira ainda são negadas. É a colonização da mente
que persiste através de um discurso com raízes no século XIX, que vem referendando
o silencio em relação a história e cultura afro-brasileira. A lei 11.645/08
pretende afirmar o negro como sujeito da história rompendo o silencio do
passado, incluindo o conteúdo sobre a cultura africana e afro-descendente no
currículo escolar, fomentando a desconstrução do discurso conservador hegemônico.
Nesse sentido, somente o conhecimento, a pesquisa, o investimento na formação
do professor e a produção de novos materiais didáticos poderão contribuir para
um conhecimento da religiosidade e de outros aspectos culturais dos afro-descendentes,
uma vez que determinação legal não significa imediata mudança de postura do
professor ou do currículo das escolas. É um longo caminho que requer mudanças
nos discursos, nos métodos, nas posturas e nos modos de tratar o negro e de analisar
o seu passado e o seu presente.
Gildazio,
ResponderExcluirComo sempre seus textos nos chamam à reflexão.
Parabéns mais uma vez.
Jaciara