Por
Gildazio de Oliveira Alves
Antes de lançarmos o nosso olhar contemporâneo e seu crivo moralista sobre o “pensamento maquiavélico” é preciso compreender o autor em seu contexto. Maquiavel viveu durante a renascença italiana, num período de grande confusão política e fragmentação do poder. A Itália estava divida em vários principados e ducados, além do domínio da Igreja Católica. Somando-se aos conflitos internos, fruto da multipolarização do poder, havia, ainda, as invasões de países próximos como a França e a Espanha. É nesse contexto que nasce o discurso de Maquiavel e sua obra-prima, O Príncipe, escrito em 1513, dedicado a Lourenço de Médici. A obra é um marco no pensamento político moderno, fundamentado na necessidade de um poder central, forte, absoluto.
Maquiavel que recebeu educação
clássica e, aos 29 anos iniciou sua carreira no serviço público, soube utilizar
suas funções na segunda chancelaria e seu conhecimento da realidade européia,
em especial da italiana para construir sua obra, nascida, portanto, da sua
própria experiência, do estudo obstinado e do conhecimento de grandes
escritores que o antecederam, bem como da sua grande capacidade de análise. O
autor não é o precursor das grandes mudanças renascentistas, mas está inserido
nesse contexto, numa nova maneira de conceber o homem, o poder, a natureza, a
criação. Distancia-se da escolástica medieval e revoluciona a história da
teoria política, defende a prática, a observação meticulosa sobre o estado e a
sociedade, segue o espírito renascentista inovador.
O Príncipe constitui-se essencialmente
num guia de conselhos para governantes, explicitando a preocupação do autor com
a manutenção do Estado num momento de conflito e fragmentação política da
Itália. É nesse sentido de recuperação da ordem e desejo de cessar a
instabilidade que Maquiavel defende enfaticamente que o príncipe não deve
hesitar em exercer sua autoridade e poder, mesmo que seja necessário lançar mão
da força e até mesmo da crueldade, quando o que está em jogo é a integridade do
Estado e o bem-estar do seu povo. Nesse sentido, a defesa da ordem é
manifestada na necessidade de que o príncipe governe dentro da tradição para
não aguçar o desejo de mudança. É concedido grande destaque à importância da
centralidade e força do poder do príncipe, necessária não somente na conquista,
mas principalmente para assegurar e manter o poder. A manutenção do poder ocupa
grande espaço na obra, com o autor apresentando exemplos de príncipes que
souberam utilizá-lo e foram bem sucedidos e outros que por infortúnio ou falta
de habilidade perderam-no. Segundo Maquiavel, para manter o poder o príncipe
deve lançar mão de estratégias como o estabelecimento de alianças essenciais e,
em último caso o uso da força. Para manter ou conquistar, o príncipe precisa
impedir o crescimento dos menos potentes e enfraquecer os mais potentes,
prevenindo-se de problemas futuros, quando a solução é bem mais difícil. Para
exemplificar a questão Maquiavel cita a França que ao ocupar parte do
território italiano e fragmentá-lo ainda mais, possibilitou maior poder à
Igreja e permitiu a presença dos espanhóis, tornando inútil sua conquista.
Para governar com autoridade, mantendo
a ordem e assegurando conquistas, o príncipe necessitaria ter certas
habilidades, é preciso ser severo e agradável, arrebanhar amigos e aniquilar
inimigos. Para Maquiavel, os exemplos passados mostram como deve se portar um
príncipe. Dessa forma, apresenta como maus exemplos aqueles que pela força
mantém o poder e que pela desumanidade e maldade infinitas não podem ser
lembrados dentre os homens excelentes. O príncipe deve ser um líder
equilibrado, prudente, deve ter uma generosidade balanceada pela parcimônia. A
piedade e a crueldade também devem estar presentes nas características do
príncipe, que deve saber também dissimular ou demonstrar qualidades, ainda que
não as tenha. Segundo o autor, existem atitudes que parecem ruins, mas que
provocam grande bem, enquanto outras aparentemente boas provocam grande mal.
É bom que o príncipe seja amado e
temido, mas como a natureza humana é ruim, é melhor ser temido do que amado,
por que o amor é vencido pela maldade humana, mas o temor é mantido pelo medo
que não cessa nunca. Contudo, é preciso evitar ser odiado e necessário ter
posição firme, ou se é um amigo verdadeiro ou um inimigo verdadeiro, jamais a
neutralidade. Assim, evita-se ficar a mercê do inimigo e se conhece quem é
confiável.
. A inépcia, a fraqueza, a não
observação de procedimentos indispensáveis são apresentadas por Maquiavel como
razões que fizeram com que príncipes italianos perdessem seus Estados. Por fim,
o autor manifesta seu desejo de ver a Itália unificada a partir do governo de
um príncipe forte e valoroso.
Ademais, vale ressaltar que
historicamente Maquiavel foi mau interpretado. O termo “maquiavélico” tem sido
utilizado pejorativamente. Maquiavel não deve ser sinônimo de frieza e
crueldade, o autor não cria a realidade amoral da política, apenas a observa e
constata que o foco da preocupação do príncipe deve ser a unidade, a ordem do
Estado e o bem-estar da população. Ao reconhecer que a natureza humana é ruim,
assegura pautado em exemplos que aquele que é sempre bom, por certo não terá
sucesso dentre tantos que não são. Os aconselhamentos não se constituem aulas
de maldade, mas uma rica reflexão da pura realidade da política. O “olhar
maquiavélico” traz a experiência contando mais que a teoria, é o reconhecimento
das fraquezas, dos defeitos e das maldades humanas, bem como das possibilidades
e limitações, para poder agir não como seria certo, mas como é possível e
necessário fazer.
Maquiavel defende o Estado forte e
separado da religião. É o nascimento de uma nova concepção de homem e de poder;
é a constatação de que “o céu não tem respostas para tudo”; é a defesa da
capacidade humana, inventiva, criadora, capaz de transformar as coisas; é a
defesa enfática da mudança pelo poder de um líder, um poder absoluto,
centralizado; é o nascimento do pensamento político moderno, que vem no bojo de
inúmeras transformações em curso na Europa – mudanças políticas, religiosas,
filosóficas, econômicas; é o emergir da modernidade.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Victor
Civita, 1973.
Não li a obra de Maquiavel, apenas fragmentos e comentários que deram para ter a noção do sentido pejorativo que aplicam o termo relacionado a seu nome. Mas, nesse artigo, temos um resumo ideal para nos animar a ler O Principe na totalidade e tirar as lições do que devemos e NÃO DEVEMOS ser como líderes na conjuntura política atual. Parabéns pela postagem! Jaciara
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