terça-feira, 14 de agosto de 2012

A trama da redemocratização do Brasil


Por Gildazio de Oliveira Alves

Analisar o processo de redemocratização do Brasil é um prazeroso exercício em que o resultado aparece permeado de opinião pessoal, por tratar-se de acontecimentos da história contemporânea que muitos de nós pudemos acompanhar, torcendo freneticamente pela vitória da frente democrática encabeçada por Tancredo Neves.
Muitas vezes chegamos a crer que o final do regime militar ocorrera tão somente pelo cansaço que já demonstrava e pela vontade imperiosa da nação brasileira de finalmente trilhar os rumos da democracia, pressupostos que certamente devem ser considerados, mas que estão aquém do ideal. Em que pesem o desgaste do regime havia certamente uma conjuntura internacional apontando para a redemocratização, especialmente com os Estados Unidos reorientando sua política macro-econômica e se lançando como suposto defensor dos direitos humanos. No tocante ao cenário interno, destacam-se o colapso do modelo econômico que atingiu o bolso e a auto-estima dos brasileiros, o crescimento das forças de oposição e o ressurgimento da sociedade civil, que se organizava em sindicatos, pastorais sociais e associações diversas. Nesse processo, os militares compreendiam o caráter irreversível da abertura, mas desejavam controlá-la ao máximo, queriam que fosse “lenta, gradual e segura”.  Assim, num primeiro momento é nos bastidores da política, nos gabinetes de Brasília e nos corredores do Congresso Nacional que serão traçados os rumos do país.
O processo de redemocratização do Brasil não representou qualquer tipo ruptura, foi a seu modo, muito mais uma reacomodação de forças, um jogo de cena, marcado por negociação, pressões, ameaças e corrupção, um embate que num primeiro momento se dá com forças externas, especialmente com os Estados Unidos ainda da década de 70, visto que o Brasil parecia não estar ciente de que o mundo caminhava para uma nova ordem e que as ditaduras latino-americanas perdiam os apoio internacional. A resistência militar à democracia rendeu à oposição interna brasileira o apoio dos EUA. Simultaneamente o modelo econômico dos militares dava sinais de crise. Nesse mesmo período o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), única oposição consentida crescia assustadoramente nas eleições parlamentares.  Essas mudanças encontrarão seu ápice nos anos 80, quando os embates ocorrem apenas no sentido de definir quem serão os personagens principais no enredo da democratização. Em 1984 todos os acontecimentos mostravam que o Brasil estava mudando, os impasses se davam em torno do tom dessa mudança, acerca do seu caráter, se lenta, gradual e segura como desejavam os militares ou se através de eleições diretas que se realizarariam naquele mesmo ano.
Pode-se dizer que o grande falha do documentário é a ausência, das vozes de outros personagens como estudantes, professores, intelectuais, artistas e trabalhadores, pessoas que lutaram contra o regime e que nesse momento estavam nas ruas gritando por eleições diretas. 
Aquele era certamente um momento de muitas incertezas, sabendo-se apenas que o país indubitavelmente caminharia para a democracia, mas com possibilidades de retrocesso e sem nenhuma clareza quanto à maneira como se daria esse processo. O grande dilema do momento para a oposição era escolher entre uma saída negociada com os militares e a radicalização na luta pelas eleições diretas. Também os militares tinham seus dilemas, de um lado temiam a suposta ameaça comunista, do outro não tinham como ignorar a força da oposição e das multidões que tomavam as ruas. Com a derrota da Emenda Dante de Oliveira e a conseqüente manutenção das eleições indiretas, o grande problema do grupo governista passou a ser a consolidação de um candidato forte o suficiente e capaz de unir o PDS (Partido Democrático Social) e derrotar Tancredo Neves do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) no Colégio Eleitoral. Nesse processo, a figura dissonante do candidato Paulo Maluf, provocou uma revoada de lideranças pedessistas rumo à candidatura de Tancredo. Nesse momento a balança pendia para o lado da oposição e esta, tendo como principal interlocutor a figura de Tancredo Neves entendeu que para evitar retrocessos o caminho mais viável seria a composição com o PDS. Assim, a chapa Tancredo – Sarney fora eleita no Colégio Eleitoral e o Brasil teve que aguardar 5 anos para ter finalmente sua primeira eleição direta pós ditadura.
Esse desfecho se não saiu como planejaram os militares também não ocorrera como sonhavam segmentos da esquerda alojados no PMDB e no PT (Partido dos Trabalhadores), este último optando, inclusive por não votar no Colégio Eleitoral ficando fora da festa da oposição. A grosso modo pode-se dizer que a transição lenta, gradual e segura, desejada pelos militares se concretizara, pois como sabemos Tancredo falecera antes da posse e José Sarney, ex-presidente do PDS, político gestado na ditadura assumiu o poder e governou até 1989, quando finalmente se realizaria a 1ª eleição direta pós ditadura.

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