terça-feira, 7 de maio de 2013

Marxismo e Religião: breve análise da Teologia da Libertação

Por Gildazio de Oliveira Alves

              Do ponto de vista do materialismo histórico a religião quase sempre representou um obstáculo às transformações sociais. No caso específico da Igreja Católica, cujos domínios perpassaram do Império Romano à idade média, suas idéias conservadoras e a aceitação da ordem vigente, o fizeram quase sempre cair no gosto da direita e extrema direita...
            Em sua crítica à religião Marx a definiu como “o ópio do povo”, por que levaria o homem a apegar-se à ilusão através da crença na redenção futura, provocando o desapego do mundo real e consequentemente a imobilidade política e a falta de desejo de transformar a sua realidade social. Nesse aspecto a religião é vista como felicidade ilusória, cabendo portanto, o seu banimento como condição para o alcance da felicidade real. A crítica do “vale de lágrimas” libertaria o homem da fantasia levando-o a atuar de maneira efetiva na sua realidade social.
            Talvez considerando a análise de Marx como um princípio dogmático, muitos regimes socialistas mantiveram difícil relação com a Igreja. Ao longo da história do século XX, pensar a revolução significou afastar-se da religião ou até mesmo reprimi-la. Entretanto, na contramão destes preceitos diversos movimentos de cunho religioso engajaram-se na luta pela transformação da realidade social. Movimentos como Canudos, Contestado e Juazeiro, dentre outros, tiveram um viés religioso. Contudo, em termos de engajamento político nada comparável ao fenômeno da Teologia da Libertação (TL) que se fez presente nas lutas populares da América Latina na segunda metade do século passado. A TL disseminou um discurso religioso voltado para a transformação social, buscando no marxismo o escopo material para suas analises sócio-econômicas e inspiração bíblica para estimular a luta. O Evangelho é visto pela TL como instrumento de libertação do homem da exploração e da injustiças sociais, com vistas à construção de um reino de Deus que começaria aqui mesmo no plano terreno.
           A TL surgiu na década de 1960, a partir do Concílio Vaticano II entre 1962 e 1965 quando a Igreja abriu espaços para as discussões políticas. Sua origem é estritamente latino americana, seu embrião foi lançado na conferência de Medelín na Colômbia em 1968, fortalecendo-se na 3ª Conferência do Episcopado Latino Americano em 1979 em Puebla no México, quando a Igreja reafirmou seu compromisso com os excluídos. O termo foi cunhado pelo padre peruano Gustavo Gutiérrez, autor do livro A teologia da libertação. Além do próprio Gutiérrez foram expoentes da TL Leonardo Boff e Frei Beto no Brasil, Jon Sabino de El Salvador, Juan Luis Segundo do Uruguai. A base militante da TL foi formada por sacerdotes e leigos, espalhados pelas milhares de CEBS no campo e nas periferias das grandes cidades.
          No Brasil a TL teve sua influência mais significativa na década de 1980, quando o país vivia o processo de redemocratização e a sociedade se reorganizava em torno de diversas entidades de origem popular. É quando florescem as CEB’s (Comunidades Eclesiais de Base) e os novos movimentos sociais, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o novo sindicalismo capitaneado pela CUT, dentre outros. O surgimento da CPT (Comissão Pastoral da Terra) um pouco antes (1975) também foi um sinal da presença da Teologia da Libertação.
            O encontro da TL com o marxismo provocou releituras, adaptações e até certa medida uma ruptura desta com o marxismo clássico. Para Boff a TL aborda a categoria pobre, os sofridos e excluídos do sistema capitalista e não apenas o conceito de classe única, o proletariado descrito por Marx. A idéia seria, portanto trabalhar um coletivo que não seria apenas os trabalhadores, mas as classes populares. Leonardo Boff também defende que o marxismo não deteria mais o monopólio da transformação histórica, uma vez que os cristãos, em nome da própria fé, reivindicam esta causa e o fazem sem espírito de concorrência. A TL aceitaria, portanto, caminhar junto com o marxismo, mas não admitiria ser Marx o seu guia. Segundo Boff o guia da TL seria o próprio Cristo e sua inspiração não seria o regime socialista, mas as primeiras comunidades cristãs. O foco da TL não seria apenas a luta contra a exploração sócio-econômica, como também as de cunho racial, étnica e sexual.
         Na década de 90 a influência da TL diminuiu significativamente na Igreja e no meio social após seus formuladores serem condenados pela Congregação para a Doutrina da Fé entre 1984 e 1986. A principal acusação do Vaticano contra a teologia da libertação seria alguns dos seus fundamentos como a ênfase exclusiva no pecado institucionalizado, coletivo ou sistêmico, excluindo os pecados individuais, a eliminação da transcendência religiosa, a desvalorização do magistério e o incentivo à luta de classes.
            Ainda hoje diversas pastorais sociais, milhares de padres e leigos Católicos seguem se inspirando na TL, entretanto a relação destes segmentos com a política partidária até meados de 90, assim como as perseguições do vaticano tornaram dispersos os valores da Teologia da Libertação, uma das correntes religiosas que mais aproximou a igreja do povo, por ser o povo a própria igreja vivendo em comunidade, comunidade que é religiosa e política, porque o homem é um ser político e cultural, carregando consigo valores diversos que se tornam evidentes nas suas ações cotidianas. No presente, a igreja continua sua busca por renovação, enquanto segue a trajetória evidente de perda de seguidores e avança o fosso entre o discurso dos clérigos e a prática dos católicos.

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