segunda-feira, 4 de novembro de 2013

RESISTÊNCIA NEGRA NO BRASIL ESCRAVISTA: A REVOLTA DOS MALÊS

Por Gildazio de Oliveira Alves



          A Bahia do início do século XIX enfrentava grave crise econômica e grande agitação social, com inúmeras revoltas populares que afetavam diretamente o cotidiano da cidade de Salvador, com participação de escravos, libertos, crioulos, africanos e militares. Nesse cenário de forte efervescência política destaca-se a Revolta dos Malês, enquanto movimento multifacetado de contestação da realidade em que viviam os escravos urbanos, de opressão étnica, política e religiosa. O termo malê é de origem africana e foi utilizado para caracterizar os negros de orientação religiosa islâmica.
            A Revolta dos Malês ocorreu em Salvador, Província da Bahia na primeira metade do século XIX, tendo como personagens principais os negros islâmicos que exerciam atividades livres e tipicamente urbanas, chamados negros de ganho (alfaiates, pequenos comerciantes, artesãos e carpinteiros). Apesar de exercerem atividades livres, sofriam com o peso da escravidão e enfrentavam discriminação de cunho religioso por serem seguidores do islamismo. O movimento foi iniciado em janeiro de 1835 e fortemente reprimido pelas autoridades. O levante resistira poucos dias, mas sem dúvida alguma é um dos episódios mais marcantes da resistência negra no Brasil escravista. 
         Considerando a natureza do trabalho escravo literalmente urbano, distinto da mão de obra empregada nas plantations, escravos e libertos de Salvador encontraram um “terreno fértil” no que tange à possibilidade de reunião, organização, difusão de práticas e saberes e de insubordinação, tendo em vista os contatos constantes entre grupos étnicos, políticos e religiosos, distintos e/ou semelhantes. Estas particularidades do levante dos malês o caracteriza enquanto movimento de forte viés classista, étnico e religioso. Segundo João José Reis, estudioso de escravidão, a rebelião pode ser caracterizada como um levante escravo, não necessariamente levado a cabo por escravos. O seu caráter é diverso e inegavelmente complexo. 
          Contestando Nina Rodrigues que afirmara ser a Rebelião de 1835 “uma guerra santa islâmica, levada a cabo por escravos e libertos africanos, com o único objetivo de expandir o islã”, João Reis destaca a Revolta enquanto rebelião escrava, sem desconsiderar a luta étnica e a luta religiosa. Reis vislumbra o caráter classista na Revolta dos Malês, e a despeito da participação de libertos a classifica como Rebelião Escrava. 
       No contexto da Revolta dos Malês, o escravo é visto enquanto agente político, responsável pela organização classista, compreendendo-se classe de forma dinâmica, definida pelas relações sócio-políticas e pela união de grupos ou pessoas com objetivos comuns. Essa classificação torna-se possível graças à realidade do liberto de Salvador, totalmente atrelado à sociedade escravocrata, sem direitos políticos, trabalhando ao lado dos escravos e simbolicamente vistos pela sociedade como tais. Entretanto, os libertos em alguns aspectos encontravam-se em posição privilegiada, principalmente no que tange ao controle sobre seu trabalho e suas vidas. 
          Já a questão étnica, por vezes fator de divisão entre os grupos de origem africana, emerge na realidade escravista enquanto elemento de solidariedade pela posição dos africanos em relação à escravidão. Segundo Reis, essa era uma identidade que, no entanto, não eliminava as diferenças entre os diversos grupos. 
            Outro aspecto primordialmente importante é o fator religioso. Ainda que a Rebelião não possa ser classificada enquanto uma jihad islâmica, o islã teve papel decisivo na organização e na promoção da unidade entre muitos escravos e libertos africanos, mesmo que nem todos os revoltosos fossem necessariamente muçulmanos.  
           No Brasil escravista a Revolta dos Malês é sem dúvida um movimento marcante que simboliza o ativismo escravo, sua capacidade organizacional e associativa com vistas à conquista da liberdade e ao rompimento das estruturas da sociedade. João José Reis é uma referência nos estudos de escravidão e suas obras, especialmente REBELIÃO ESCRAVA NO BRASIL e NEGOCIAÇÃO E CONFLITO: RESISTÊNCIA NEGRA NO BRASIL ESCRAVISTA dão uma dimensão da complexidade, bem como da multiplicidade de elementos que estruturaram estas revoltas, enfocando o seu viés classista e a heterogeneidade dos grupos partícipes. 

2 comentários:

  1. Muito bom. Não sabia que você tinha esse blog, só precisa divulgar mais. Parabéns.

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  2. Obrigado. Tento divulgar, mas preciso da colaboração dos amigos...

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