Por
Gildazio de Oliveira Alves
O Brasil é um país de
dimensão continental que em pleno século XXI ainda enfrenta, quase que
rotineiramente conflitos no campo. É uma verdadeira guerra civil que atravessa
os séculos e envolve trabalhadores rurais, fazendeiros, grileiros, posseiros,
ambientalistas, indígenas, quilombolas, dentre outros grupos que disputam a
posse da terra. Para entender as razões da nossa injusta estrutura agrária é
necessário analisar a colonização do nosso país, bem como a maneira como se deu
a apropriação e a distribuição das terras, dentro de um modelo político e
econômico desenhado pela Coroa, posto em prática pela vassalagem e preservado
até os dias atuais.
As origens da questão agrária no
Brasil remontam aos primórdios da colonização, quando do estabelecimento de um
sistema produtivo agro-exportador, assentado no latifúndio escravista, onde a
produção de alimentos era atividade pouco valorizada, restrita a pequenos
produtores e por vezes proibida nas plantations. A seção de extensas áreas de
terras, denominadas sesmarias a cidadãos que detinham prestígio junto ao reino,
foi o marco inicial da longa trajetória de apropriação das terras no Brasil,
que teria como conseqüência histórica a concentração desse bem em poucas
mãos.
Com a extinção do regime de sesmarias no
início do século XIX, a ocupação das terras passou a ser regulada através da
Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras), um novo ordenamento
jurídico, que dentre outras questões estabelecia a compra como única maneira de
aquisição das terras devolutas. Os efeitos práticos da implementação dessa Lei
foi sem dúvida a manutenção da estrutura agrária brasileira, a partir da revalidação
das sesmarias e de outras concessões do Governo Geral ou Provincial, que nesse
momento priorizou a vinda e o assentamento de colonos estrangeiros no Brasil,
em detrimento de uma política de acesso e permanência na terra pelos
nativos.
No início do século XX, especialmente
a partir da década de 30 com o processo de industrialização do país, o problema
da concentração de terras se agravou ainda mais, em virtude das inovações
tecnológicas que chegavam ao campo. Nesse processo, as pequenas propriedades
foram cada vez mais perdendo terreno para o latifúndio agro-industrial. Uma das
conseqüências da industrialização foi o crescimento da demanda por produtos
agrícolas, a mecanização da agricultura e o conseqüente aumento dos preços da
terra, que uma vez valorizada passava a ser cada vez mais objeto de cobiça do
latifúndio.
No período da Ditadura Militar
também se manteve a estrutura agrária do país e até mesmo acelerou-se o
crescimento das grandes propriedades, especialmente daquelas ligadas ao capital
internacional. De 1967 a 1972 que corresponde ao período do “milagre
econômico”, nos governos Costa e Silva e Médici, as pequenas propriedades foram
engolidas pelo latifúndio, visto que as políticas governamentais valorizavam
apenas os grandes empreendimentos, como conseqüência agravaram-se os índices de
pobreza e de concentração de riquezas no país. Ao mesmo tempo, a política de
repressão do Estado massacrou a organização dos trabalhadores e paralisou a
reforma agrária.
A concentração de terras, a exploração e a
opressão no campo foram, ao longo da história contestadas de diversas maneiras
por diferentes grupos sociais. As lutas sociais no campo sempre fizeram parte
do cenário brasileiro desde os primeiros séculos da formação da nossa
sociedade. Dessa maneira, a resistência indígena desde os primeiros séculos da
colonização, a resistência negra, especialmente através dos quilombos, os
movimentos nativistas dos séculos XVIII e XIX como Cabanagem, Balaiada e
Farroupilha; as lutas pela Independência da Bahia, o messianismo e o banditismo
social do século XIX e início do século XX dos movimentos de Canudos,
Contestado, Juazeiro e o Cangaço, apesar das suas especificidades em maior ou
menor grau se constituíram lutas populares diante das más condições de vida,
por uma nova ordem social.
O período pré-64 foi marcado por forte
pressão pela reforma agrária, especialmente de 1940 a 1960 quando os
trabalhadores se afirmam enquanto atores políticos, se organizam em torno de
entidades como as Ligas Camponesas e as associações de lavradores. Nesse
período, os trabalhadores foram disputados por agentes diversos como partidos
políticos e igreja. A partir do golpe militar ocorreu o processo de
desmobilização em virtude da neutralização das lideranças mais combativas e da
intervenção em suas entidades.
As lutas no campo perpassam, os
objetivos de conquista da terra, em virtude da complexidade das relações de
trabalho na agricultura brasileira. O grande objetivo dos trabalhadores brasileiros
quase sempre se encaminha para a conquista de direitos e melhores condições de
vida. Nesse sentido, ao lutarem pela reforma agrária, os trabalhadores rurais
reivindicam além da posse da terra, a redistribuição da renda, de poder e de
direitos, uma vez que apenas a mera distribuição de pequenos lotes os faria
perpetuar na vulnerável condição de mão-de-obra barata para os grandes
proprietários.
No Brasil de
hoje os movimentos sociais de luta pela terra não desfrutam de apoio popular e
a injusta estrutura agrária brasileira mantém-se intacta, o que suscita a
necessidade da reflexão sobre a questão, vislumbrando a importância destes
movimentos, assim como das políticas públicas para o campo que transcendam o
assistencialismo secularmente praticado. Creio ser necessário compreender os
conflitos, tensões e as discrepâncias sociais no campo como fruto dos modelos
políticos e econômicos historicamente implantados, que concentraram terras e
riquezas.
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