quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013


Religiosidade de matriz africana em sala de aula: potencialidades e desafios

Por Gildazio de Oliveira Alves


O modelo de colonização portuguesa implantado no Brasil, baseado na monocultura e no sistema escravista foi responsável pela transferência para o território luso-brasileiro de grandes levas de escravos que traziam consigo toda uma gama cultural e religiosa oriunda das suas origens em solo africano. Aqui, esses aspectos culturais foram reproduzidos e ressignificados através do contato com outros povos.
Após vários séculos de discriminação, negação, tentativa de ocultar ou ignorar os elementos da cultura afro-brasileira e africana em nossa sociedade, nos deparamos com o feliz desafio de desenvolver uma educação para a diversidade. Sabemos que esta é uma necessidade urgente em nossas escolas, uma vez que o reconhecimento das reivindicações históricas das comunidades afro-brasileiras implica na efetivação de direitos sociais, culturais, econômicos e religiosos. Com relação ao último aspecto temos consciência de que trata-se do mais polêmico a ser abordado na escola, visto que a religião apresenta-se como elemento doutrinário ou inibidor de diferentes experiências no contexto escolar. O cerne da questão pontua-se em apresentar a religião como aspecto cultural, não doutrinário, como uma afirmação profunda dos valores ancestrais.
Sabemos que a escola apresentou e em muitos aspectos ainda vincula uma educação eurocêntrica. No entanto, a implantação da lei 11.645/08 apresenta-se como um aspecto potencializador da discussão e do debate conduzindo à diversidade da prática docente, cabendo aos educadores ligar essas experiências ao cotidiano escolar.
São enormes os desafios de se trabalhar os aspectos religiosos de matriz africana num cenário em que a historiografia ainda prima por negar-lhes um lugar na história e onde, os professores, formados num modelo de história tradicional ainda se empenham em reproduzir o eurocentrismo.
 O Estatuto da Igualdade Racial e a Lei 11.645/08 são conquistas históricas, fruto da luta dos movimentos negros e de outros segmentos sociais de combate ao racismo, que buscam garantir direitos essenciais dos povos negros que foram negados, esquecidos ou distorcidos. Esses marcos legais nos colocam o desafio de proporcionar a reparação de danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais provocados pela herança do escravismo, das políticas de branqueamento e da manutenção histórica de privilégios de alguns grupos.
A democratização da educação no século XX abriu a escola, mas falta o avanço na qualidade e a abertura dos currículos para o conhecimento mais amplo da nossa história. Nos modelos educacionais a história e a cultura afro-brasileira ainda são negadas. É a colonização da mente que persiste através de um discurso com raízes no século XIX, que vem referendando o silencio em relação a história e cultura afro-brasileira. A lei 11.645/08 pretende afirmar o negro como sujeito da história rompendo o silencio do passado, incluindo o conteúdo sobre a cultura africana e afro-descendente no currículo escolar, fomentando a desconstrução do discurso conservador hegemônico. Nesse sentido, somente o conhecimento, a pesquisa, o investimento na formação do professor e a produção de novos materiais didáticos poderão contribuir para um conhecimento da religiosidade e de outros aspectos culturais dos afro-descendentes, uma vez que determinação legal não significa imediata mudança de postura do professor ou do currículo das escolas. É um longo caminho que requer mudanças nos discursos, nos métodos, nas posturas e nos modos de tratar o negro e de analisar o seu passado e o seu presente.

Um comentário:

  1. Gildazio,
    Como sempre seus textos nos chamam à reflexão.
    Parabéns mais uma vez.
    Jaciara

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