quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Reforma Agrária no Brasil: uma pauta esquecida


 Por Gildazio de Oliveira Alves

           Um breve passeio pela História do Brasil nos permite constatar que as contradições do campo sempre foram o centro dos grandes problemas nacionais. Inicialmente, foram mais de três séculos de economia rural assentada no tripé: monocultura, mão de obra escrava e produção agroexportadora, base que moldou a sociedade brasileira até meados do século XIX.

Mesmo com o fim da escravidão em 1888, a estrutura agrária brasileira permaneceu intacta e os antigos escravizados e seus descendentes não receberam qualquer compensação ou indenização pelos séculos de trabalho forçado. No campo pós abolição, esses trabalhadores se tornaram sem-terras ou pequenos agricultores, sempre ameaçados pelo latifúndio. Nas cidades, a populações egressas da escravidão, se tornaram sem-tetos e/ou trabalhadores de atividades pouco remuneradas, preteridos por emigrantes europeus no trabalho urbano.

O país que teve nas sesmarias o marco inicial da distribuição de terras, através da Lei de Terras de 1850 garantiu a sobrevivência do latifúndio e colocou à margem do sistema produtivo a população egressa da escravidão rural. Em razão dessa estrutura do campo brasileiro, fundamentalmente injusta e violenta, ao longo dos séculos, uma verdadeira guerra vem sendo travada pela posse da terra, com múltiplos conflitos que envolvem trabalhadores rurais, fazendeiros, grileiros, posseiros, ambientalistas, indígenas, quilombolas etc.

Embora ciente de que a Reforma Agrária tal qual a conhecemos jamais representou a possibilidade de ruptura da estrutura agrária brasileira, bem como dessa ordem social injusta, cabe tecer algumas ponderações acerca da sua total paralisação no atual governo.  O tema reforma agrária saiu da pauta, não só do governo, como também da mídia e dos próprios movimentos sociais de luta pela terra, que me parecem apáticos, intimidados, frente a um governo que tem priorizado a regularização de terras griladas e a proteção de des-matadores.

O projeto de lei 2.633/2020,  “PL da grilagem” em trâmite no Congresso Nacional, facilita a regularização de terras, ilegal e ilegitimamente ocupadas, premeia a grilagem e sinaliza ao país a opção do governo federal pela manutenção do status quo, pelo o apoio incondicional aos senhores da terra e a manutenção da injustiça no campo. Esse caminho torna evidente que o país continua a distribuir suas terras a partir de um modelo desenhado pela Coroa Portuguesa, posto em prática pela vassalagem e preservado até os dias atuais. 

 Cabe não esquecer que os problemas da sociedade brasileira, hoje predominantemente urbana, tem raízes em nossa injusta estrutura agrária. No presente, o campo que bate recordes em produção de alimentos para exportação é o mesmo que esmaga o pequeno agricultor, historicamente sem apoio governamental e pressionado pelo latifúndio. Essa estrutura é mantida pelas políticas governamentais que priorizam a agro exportação, com uso excessivo de agrotóxicos e graves prejuízos ao meio ambiente e à saúde pública.

Em que pesem os arroubos autoritários do governo Bolsonaro, é necessário que o tema Reforma Agrária volte à pauta do país. Obviamente que a distribuição de pequenos lotes não corrige injustiças, tampouco repara de dívida histórica oriunda do escravismo, cujos efeitos nefastos perduram até os dias atuais. Contudo, é evidente que o tema abre a possibilidade de um debate permanente, com vistas à importância dos movimentos sociais de luta pela terra, assim como das políticas públicas para o campo que transcendam o assistencialismo secularmente praticado. Não há como transformar o Brasil num país socialmente justo, sem quebrar a coluna vertebral da estrutura agrária brasileira. Do contrário, estaremos condenados a ver perpetuar a desigualdade social e a concentração de riquezas no campo e na cidade. Esse é um debate necessário.

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